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Conexão Mata Atlântica: beneficiados exaltam legado e desejo de retomada

Publicada em: 12/12/2024 05:19 - Notícias Política / Economia

Somente no RJ foram mais de 280 famílias atendidas; produtores querem mais agricultores sendo atendidos

 

Menos de um ano após o encerramento do projeto Conexão Mata Atlântica (CMA), famílias de pequenos e médios agricultores do Noroeste e do Sul Fluminense destacam o seu legado. Ressaltam sua proposta de recuperação de nascentes e de áreas degradadas, a preservação da vegetação nativa e o uso consciente e sustentável dos recursos naturais durante a produção. E muitos defendem que deveria ter continuado ou que seja retomado, beneficiando mais produtores. Desenvolvido por quase sete anos em propriedades rurais da Bacia do Rio Paraíba do Sul nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, o CMA envolveu renomados profissionais das esferas estaduais e nacional e organismos internacionais. E beneficiou mais de 1.700 famílias de pequenos e médios produtores rurais nos três estados, até ser “descontinuado”.

Somente no Rio de Janeiro, segundo informou a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS-RJ), foram mais de 280 famílias beneficiadas, distribuídas nos municípios de Cambuci, Italva, Porciúncula e Varre-Sai, no Noroeste Fluminense; e Barra do Piraí e Valença, no Sul do Estado. Os participantes, muitos oriundos do Rio Rural, um programa parecido, passaram por fases que incluíram cursos e treinamentos, dentre outras atividades. O objetivo: capacitar a todos para iniciarem sistemas de produção sustentáveis, com foco na preservação do meio ambiente, a recuperação de nascentes, trechos de matas e de solos degradados, dentre outras metas.

Um dos diferenciais do CMA, iniciado em 2017, foi o chamado Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que no Rio de Janeiro somou mais de R$ 7,8 milhões pagos em PSA, com 1.689 hectares de áreas conservadas e/ou restauradas. “O PSA foi um instrumento que reconheceu os produtores rurais como aqueles que promovem a conservação e a recuperação de suas nascentes, suas matas ciliares, encostas e que adotam práticas produtivas sustentáveis.  Com isso, eles promovem benefícios para toda a sociedade. O objetivo do CNA foi colaborar na recuperação da biodiversidade da Mata Atlântica na Bacia do Rio Paraíba do Sul”, afirma Marie Ikemoto, que foi coordenadora geral do projeto no Estado do Rio de Janeiro.

Dois dos critérios para distribuição aos estados de US$ 31,5 milhões (R$ 187 milhões em valores do início de dezembrodo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEFe R$ 175,3 milhões em contrapartida pelos estados, foi a extensão de áreas preservadas de mata nativa e as áreas degradadas destinadas à recuperação. Os recursos do GEF foram garantidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

No Rio de Janeiro, o projeto recebeu US$ 4,3 milhões do GEF (R$ 24,2 milhões em valores de dezembro/24e mais R$ 28,9 milhões, à época, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em contrapartida. E todo o trabalho técnico foi conduzido por profissionais dos órgãos e das instituições envolvidos, o que fez toda a diferença, como atesta *com exclusividade ao site Rio Rural* a produtora rural Benise Freitas, dona da Fazenda da Penha, de 47 hectares, na localidade de Formosia, em Cambuci, já no limite com Italva.

“Eu e o esposo já vínhamos do Rio Rural e o CMA foi uma experiência extraordinária. Ainda havia duas nascentes na propriedade e, com orientação técnica, recuperamos mais três. Água de qualidade excelente à vontade para nós e os vizinhos. Hoje produzimos frutas, verduras e legumes usando o sistema agroflorestal. E áreas de pasto sustentáveis, plantado entre árvores, no sistema silvipastoril. Além de arroz gourmet, dos tipos preto e vermelho, que vendemos a um público específico. Com esse novo ambiente, os pássaros retornaram, assim como animais que há anos não víamos na propriedade”, comemora a produtora rural e professora aposentada.

Vizinha a Benise, já no lado de Italva, a também produtora Dalva Leite Carvalho celebra os bons frutos vindos do CMA. Ela garante que o projeto foi, literalmente, um “divisor de águas” na vida da família. Na pequena propriedade de 10 hectares, que ela toca com o marido Luiz Almeida Carvalho, o que antes eram áreas degradadas e produção agrícola precária, hoje é uma espécie de “pequeno paraíso”.

"Quando era criança, vi meu pai derrubar a mata no alto do morro, onde havia uma nascente. Anos depois, a água desapareceu e a terra secou. Então pensei em fazer tudo diferente, se tivesse oportunidade. A chance veio com o projeto e mudou nossa vida. Aqui tudo é bem planejado. No alto do morro fica a mata e a nascente recuperada. No meio, o espaço silvipastoril, com pastagem para os animais entre as árvores. E na parte baixa, a agrofloresta, com jaqueiras, mangueiras, goiabeiras, laranjeiras e muitas outras frutíferas. E temos ainda o espaço das hortaliças”, enumera Dalva, lembrando que, com o aumento da biodiversidade, muitos animais voltaram, assim como ocorreu na propriedade da amiga Benise Freitas.

Da mesma forma que ocorreu com as famílias de Benise, em Cambuci; e de Dalva, em Italva; exemplos de sucesso se espalham pela Bacia do Paraíba do Sul em Varre-Sai e em Porciúncula, no Noroeste. “Reflorestar, aumentar áreas de mata, recompor vegetação ciliar, era tudo que eu sonhava fazer desde criança. Agora tenho a oportunidade de concretizar e a ideia é continuar. Tenho 40% da área da propriedade coberta de mata nativa e vamos trabalhar para aumentar”, prometeu a produtora Maria Lúcia Muruci, do sítio Recanto São Francisco, em Porciúncula.

Projetos de sucesso do CMA ocorrem também nos municípios de Valença e Barra do Piraí, no Sul Fluminense, pertencentes à mesma bacia hidrográfica. “O incentivo foi a coisa mais importante que o projeto trouxe pra gente, além dos recursos, da assistência e capacitação técnica, claro”, destaca o produtor Carlos Martins Rosa, do Sítio Fortaleza, em Barra do Piraí. “Eu trabalho fazendo cestas de taboas há mais de 40 anos, desde que cheguei aqui ainda criança. E jamais poderia imaginar que chegaria aqui um projeto como esse, que mudou a nossa vida, ensinando a produzir melhor e proteger a natureza”, completou Elza da Silva, moradora de um sítio em Valença.

Ainda não há garantia, no entanto, da realização do desejo de grande parte dos produtores beneficiados: o de uma retomada do projeto. “Seria muito bom se voltassem com o projeto, porque ajudaria mais famílias de produtores”, avalia Carlos Martins. “Muita gente não conseguiu entrar e seria importante uma retomada para beneficiar outros produtores”, completou Dalva Carvalho.

Mas quem atuou no grupo de gestão do CMA tem uma outra visão e argumentos para a questão. “Entendemos que o projeto continua, na medida em que o que foi implantado entre os produtores em termos de treinamentos, capacitação e adoção de uma nova consciência e postura estão diariamente entre eles. E que isso poderá ser multiplicado, repassado aos outros produtores. Acreditamos que esse é o grande legado do projeto”, conclui o ex-coordenador executivo do CMA, Gilberto Pereira.

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